Pouco mais de dois anos decorreram ainda desde a última visita da Fugas ao restaurante O Gaveto, mas o mundo deixa-nos hoje uma sensação de permanente aceleração. Também a crescente atenção aos restaurantes de Matosinhos por parte dos turistas, que cada vez em maior número procuram a região do Porto, e as encomiásticas apreciações entretanto publicadas em órgãos de tanta influência como Financial Times e Wine Spectator, acabaram por apressar o regresso.
Agora já sem o pretexto da temporada da lampreia, que é uma das bandeiras da casa, mas com os mariscos de Verão a aguçarem o apetite, à mistura com a notícia de novidades e a passagem de testemunho geracional nas responsabilidades da gestão. Embora mantenha presença diária no contacto com a clientela, o fundador, Manuel Pinheiro, entendeu que três décadas era tempo mais que suficiente e resolveu endossar a tarefa aos sucessores.
Sosseguem, no entanto, os leitores, que a casa continua exactamente com as mesmas características, havendo apenas o propósito de refinar a oferta associada a alguns dos produtos e pratos que sempre distinguiram a cozinha de O Gaveto. A par de uma sala apropriada, no piso superior, dedicada a momentos de celebração gastronómica que vão para além de uma normal refeição, há também, dentro da abastada carta de vinhos, a proposta de “grandes vinhos do mundo” associada a algumas das especialidades da casa. Uma forma, afinal, de demonstrar que pratos tão tradicionais como as açordas ou os arrozes caldosos de peixes são companhia ideal para vinhos do mais refinado e reconhecido que há no mundo. Ou, visto do outro lado, passar para quem vem de fora e não conhece a nossa cozinha tradicional a informação de que a qualidade daqueles cozinhados justifica nada menos que a companhia de vinhos do mais alto patamar.
Foi assim, neste contexto, que com umas fresquíssimas navalheiras, ainda com aroma a algas e sabor a mar, se saboreou o exclusivo André Clouet UJ 1911, um refinado champanhe bruto (74,50€). São elaboradas anualmente apenas 1911 garrafa, encapsuladas e guardadas com capa de palha, como forma de celebrar o primeiro engarrafamento da casa, precisamente no ano de 1911. Frescura e elegância do mesmo calibre das navalheiras, cujas carnes de imaculada brancura gulosamente se sorveram, à mão e sem o apoio das tradicionais alfaias, para melhor saborear a essência marinha. Embora marcadas por um pouco de sal, as percebes que se seguiram tiveram a virtude de pôr em evidência todas as notas extraordinárias do champanhe.
Frescas e puras a amêijoas à Bulhão Pato, gordas, macias e aveludadas pela cozedura criteriosa e coentro inebriante. É caso para dizer, neste caso, que foi o Chablis 1er Cru Montmains apenas da casta Chardonnay (33,50€) que esteve à altura do elegante cozinhado com bivalves. Um vinho francês da zona Norte da afamada região da Borgonha de que este 1er Cru, também da casa Chanson, é um dos mais conseguidos exemplares.
Desafiante mesmo foi o duplo confronto com o arroz de lavagante, que resultou não tanto da conjugação com dois vinhos do top mundial mas sobretudo da excelência — e é este o termo e não outro — do arroz de lavagante. Verdadeiros momentos de glória com um daqueles pratos que conjugam a história de sucesso das mais de três décadas de vida deste restaurante. Tudo no ponto certo, dos sabores às texturas e com o arroz — do nosso carolino, claro — a mostrar-se no pleno das suas virtudes. Goma, sabor, envolvência e um ponto de cozedura perfeito a mostrar-se rijinho na hora de apertar o dente. E depois digam que o carolino fica empapado. Há é que saber cozinhá-lo.